terça-feira, 25 de setembro de 2007

Contos - O Arhat

O ARHAT

O tímido luar encoberto por nuvens mal iluminava a trilha do andarilho. Um clarão rasga os céus. O andarilho incauto se maravilha com a luz. O vento soprava soberano e as lufadas mexiam com a cabeleira do viajante. De Bhubaneshwar a um lugar insólito, com provisões para o dia, o andarilho parava de cidade em cidade em busca do Arhat. Arhat, um ser iluminado, que transcendeu todas as dores humanas. Um ser não mais limitado pelo mundo físico, não mais atormentado pelos marasmos causados pelas leis dos homens, um homem capaz de transcender o complexo e indicar o óbvio indispensável. Um Arhat com poderes mágicos propícios para elevar qualquer um à condição de um santo, à condição de um iluminado.

Mais um clarão ilumina a cabeça do andarilho. Desta vez, com a luz clarão, ele resolve olhar colina abaixo. Percebe ao pé da colina, uma cabana rústica. Apressa-se em descer a colina por trilhas tortuosas e pedir abrigo na cabana. O teto era de palha, com janelas enormes que estavam abertas apesar do vendaval.

Aproxima-se então o viajante da janela, e percebe uma luz de vela acesa no fundo da cabana. A luz de vela revelava uma silhueta singular, de um homem corpulento. A figura no fundo da cabana diz:

- Poucos se aventuram por aqui. Principalmente num tempo destes.

- Estou à procura do Arhat nesta região.

- Não há Arhat algum por aqui.

- Poderia passar a noite aqui antes de prosseguir com a minha busca?

- Pois bem, naquele canto estão utensílios para a ablução.

- Obrigado.

- Está com fome?

- Para dizer a verdade sim.

A silhueta se levanta vagarosamente, enquanto observa o viajante parado na porta. Vai para o meio da sala e acende um lampião.

- Vamos, entre. – Diz sorrindo ao viajante.

- Como se chama? – Continua o anfitrião.

- Prem.

- Me chamo Samir. Sente-se. Coma. Nada de especial, mas deve saciar a sua fome. Então está em busca do Arhat.

- Sim, nesta região.

- Mas aqui somente vivem camponeses iletrados.

- Sim, mas tive uma visão em Bhubaneshwar, que iria encontrar o meu mestre aqui.

- Uma visão.

- Eu era médico. Faz cinco anos que estou nesta busca do Arhat. As escrituras dizem que quando o discípulo estiver pronto, o mestre aparecerá.

- Cinco anos na busca?

- Faz cinco anos. Deixei toda a minha vida para trás para seguir com o caminho. Viajei por toda a Índia em busca da verdade, da onisciência. Fiz um voto para mim mesmo, que a busca não duraria mais que cinco anos. Se no quinto ano não encontrasse o Arhat, estou decidido em entrar num mosteiro e varrer os chãos até encontrar a verdade.

- E nada o desencorajou todo este tempo?

- Esta região é o último lugar em que procurarei pelo Arhat. Caso não o encontre, cessarei com a minha busca.

- Mas bastou uma visão para que largasse sua vida de médico para trás?

- Na minha profissão vi muitas mortes, sofrimentos e dores. A vida já não mais fazia sentido, vendo pessoas perderem vidas, jovens amputados de seus sonhos. De repente a minha condição de médico me parecia muito limitada para enfrentar o sofrimento humano.

- E encontrar o Arhat seria a solução?

- Você sabe a dor que se sente quando um ser humano padece aos seus cuidados? Quando todas as esperanças são depositadas em suas mãos e você falha? E depois enfrentar a dor da família pela perda de um filho, de um ente querido?

- Suponho que não compartilho da sua experiência meu amigo Prem.

- Pois sim, entrei na faculdade de medicina com muitos sonhos, de ajudar pessoas, melhorar a condição humana, e nada posso, quando me vejo impotente na frente de um pai que chora pelo seu filho.

- E há solução para doença, envelhecimento e morte? Está então trilhando o caminho de Gautama Siddharta?

- Já tentei de tudo que o mundo oferece para o homem apaziguar a dor. Percebi que existe um caminho superior, transcendendo a vã ciência dos homens.

- O caminho do homem santo.

- Sim acredito piamente. Quero operar milagres, dar esperança para quem não mais possui, ter certeza que a morte de um homem ou de uma criança não tenha sido em vão, que a morte tenha sido simplesmente uma experiência para a alma galgar melhores céus.

- E você acredita que encontrando o Arhat, terá poderes para operar tais milagres.

- Não preciso operar milagres, mas pelo menos certeza de que pude evitar mortes injustas.

- E quanto está disposto a pagar pelo que procura? A sua vida?

- Sim, a minha vida.

De repente Samir ergue a mão aberta, espalmando-a frente à testa do andarilho Prem. Da palma da mão saem luzes ofuscantes.

Prem fica de vista ofuscada. Por um momento, a escuridão toma conta de sua vista. No fundo da escuridão, Prem começa a enxergar uma luz. A luz vai crescendo e tomando conta de seu corpo. O andarilho, num tempo que parecia infinitesimal e ao mesmo tempo uma eternidade, começa a entender de forma subliminal o mistério da vida, as várias razões que o fizeram trilhar esta busca incessante pela verdade. Ele se vê num hospital e percebe quais enfermos terão mortes justas e quais terão mortes prematuras.

Num segundo momento começa a ver em sua tela mental, paraísos descritos nas escrituras, com devas e criaturas celestiais voando em todas as direções. Sente um êxtase divino por todo o corpo, dando descanso ao cansaço adquirido durante os cinco anos percorridos na busca pela iluminação. Sente o seu corpo mais leve, como se não estivesse mais feito de carne, mas por camadas de luzes sutis

Prem acorda num hospital na cidade de Rourkela. Ninguém sabe como Prem chegou das montanhas até a grande cidade industrial. O andarilho se encontra num estado de transe, falando somente sobre o encontro com o Arhat. Os enfermeiros fazem perguntas a Prem, mas o mesmo somente responde com uma única frase:

- O Arhat! Encontrei o Arhat!

Ele foge do hospital de Rourkela e sai pelas ruas gritando pelo Arhat. Segue caminhando por cidades, campos e montanhas durante quatorze anos sem razão alguma. Para ele tudo é paraíso. Todas as pessoas com quem conversa são devas ou criaturas celestiais. Tudo que come parece um manjar. Vive num estado infinito de êxtase. Prem não está mais ciente de si mesmo, uma loucura, uma falta de razão que o fazia sentir que tinha alcançado o seu maior objetivo.
Prem vira uma lenda na região. O povo diz que ele é capaz de dar visão aos cegos, recuperar pessoas em cadeira de rodas, curar desenganados. Mas não se pode conversar com Prem, ele somente responde dizendo que encontrou o Arhat.

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