terça-feira, 25 de setembro de 2007

Contos - Sétimo Dia

SÉTIMO DIA

Horácio guardava rancores sem razão. Passados três anos após a separação da Stéphanie, ainda a amaldiçoava diariamente. Apesar de Horácio aumentar de forma desproporcional a má fama de sua ex-mulher entre os amigos, todos da redação o apoiavam na sua solidão. Ninguém atrevia a contradizer Horácio, pois tinha fama de mal humorado e incapaz de aceitar opiniões alheias, fato este, que todos achavam que era a verdade sobre a separação do casal. Porém, todos agüentavam a personalidade explosiva de Horácio pelo fato de ser o melhor cronista esportivo da imprensa argentina.

- Vai discordar com o Horácio. Você está louco? Ele só não é chamado de insano por causa de sua genialidade! – Comentava um amigo da redação.

Todo dia às cinco da tarde, como o cuco de relógio, Horácio descia até o café “La Manola”, onde lia o vespertino desde a primeira página até os obituários. Era um ritual sagrado. Até a telefonista do jornal transferia as ligações para o café “La Manola” quando Horácio recebia ligações durante o seu ritual sagrado.

- Horácio querido, parece que está de bom humor hoje. Que raro! – Instiga a Dona Manola.

- É que o Boca ganhou ontem. Os brasileiros ficaram abismados.

- Está contente que o Boca ganhou ou que os brasileiros perderam ontem?

- Dupla satisfação Manola. Este ano ganharemos a Libertadores e depois rumo à Tóquio!

- Já estou vendo a sua imparcialidade como cronista esportivo.

- Manola, futebol não é ciência. É arte. É sedução. É paixão. Não existe imparcialidade no futebol. O próprio leitor não quer ler um artigo descompromissado. Tem que tender a algum lado. Principalmente com os brasileiros!

- Sabe quem passou ontem por aqui? – Diz Dona Manola com um sorriso maroto.

- Quem?

- A Stéphanie.

- Sério?

- E procurando por você.

- Mas o que é que ela queria?

- Algum problema com o seu filho.

- Com o Guille?

- É algo grave com o Guille. Ela disse que precisava de você. Ela deixou um telefone. Disse que faz tempo que você não entra em contato com ela. Tome. – Dona Manola entrega a Horácio um cartão de visita púrpura.

- Stéphanie.

- Sim quem fala?

- É o Horácio. Soube que Guille não está bem.

- Seu filho necessita de você agora. Você que nunca mais deu as caras. Só mesmo no leito da morte para te forçar a falar com o seu filho.

- Mas o que aconteceu?

- O Guille necessita de transplante de medula.

- Mas transplante de medula precisa ser consangüíneo. Eu não sou pai do Guille.

- Sim você é.

- Mas você tinha dito que o filho não era meu. Foi a causa da nossa separação!

- Era um pretexto para afastá-lo de suas más influências. Você era muito violento, não se desgrudava da bebida.

Neste momento Horácio sente que durante três anos fora forçado a rejeitar um filho que tanto amava por caprichos da mãe. Horácio sente uma raiva incontida por Stéphanie que sempre fora a manipuladora da relação.

- Você não podia ter feito isto comigo!

- Mas era o único jeito. Preciso da sua ajuda para salvar o Guille.

- Eu vou te processar. Isto não vai ficar assim.

- Vai ajudar?

- Claro que vou. Mas gostaria não te encontrar. Eu não saberia do que seria capaz.

- Não se preocupe Horácio. Já paguei por todos os males que te causei nesta vida.

No dia seguinte, Horácio chega em Córdoba. Bate a porta da casa da mãe da Stéphanie.

- Horácio, quanto tempo. Como sabia que hoje era a missa?

- Missa? Que missa?

- A missa de sétimo dia da Stéphanie. Pensei que você não viria. Quem te avisou?

- Como? Missa de sétimo dia da Stéphanie? Falei com ela ontem no telefone!

- Impossível. Para que número você ligou?

- Para este aqui do cartão.

- Mas este número foi desligado três anos atrás quando vocês se separaram.

- Então eu falei com quem?

- Deve ter sido um engano. Entre, não fique aí parado.

Horácio está em estado de choque, sem entender a situação. A mãe de Stéphanie mal acreditava na história que o Horácio tinha contado. Afinal, ele tinha fama de beberrão. Ela preferiu não comentar que talvez tivesse sido alucinações provocadas pela bebedeira de Horácio.

- Ela me falou da doença de Guille.

- Ah sim, Guille está muito mal. – Diz a mãe da Stéphanie disfarçando um certo desconforto.

- Pois então, foi a Stéphanie quem me disse.

- Não pode ser. Ela faleceu na quinta-feira passada. Mas é verdade, o seu filho está doente. Não sei como você ficou sabendo, mas acho muito difícil ter sido através da Stéphanie.

- Mas assim de repente?

- Foi num acidente de carro.

- Puxa.

- Desculpe te perguntar Horácio, mas ainda segue com a bebida?

- Um pouco Laurinda. Um pouco.

- Você não vai se ofender se eu disser que talvez a conversa que você diz ter tido com a Stéphanie tenha sido por causa da bebida?

- Laurinda, esta semana eu quase não bebi, foram somente umas cervejas, e nada de sair do prumo por causa de excessos.

- Horácio, você devia ter um acompanhamento médico para os seus nervos. Mas conta direito esta história de ter falado com a Stéphanie.

- Como lhe disse, a Stéphanie passou no café perto da redação três dias atrás e deixou este cartão aqui. No dia seguinte liguei para o número e conversei com ela. E era a voz dela com certeza.

- Não sei o que te dizer. Se não soubesse do seu problema com a bebida até poderia considerar esta história. Enfim, você vem para a missa?

- Está bem você duvidar de mim, mas e a dona Manola que falou com a Stéphanie?
Horácio passa o fim de semana na casa da mãe de Stéphanie e cuida do problema de Guille, marcando uma cirurgia para o mês seguinte. .

Com tudo resolvido, Horácio entra no ônibus para Buenos Aires. Escolhe uma poltrona na janela. Acomoda-se na poltrona e abre o jornal na seção de esportes. O ônibus fecha a porta e começa a partir. Neste instante, Horácio olha de relance para a plataforma e vê o vulto da Stéphanie. Ela lhe lança um olhar profundo, como se estivesse querendo dizer muitas coisas. Num instante de lucidez, ele entende que esteve errado por todos estes anos ao lado da Stéphanie. Atônito, pensa em descer do ônibus. Pede para o motorista parar o ônibus e desce à plataforma. Se esquivando da multidão, ele não consegue encontrar a sua ex-mulher. Horácio procura pela Stéphanie em vão, na movimentada rodoviária de Córdoba.

Finalmente Horácio entende que tinha chegado a hora de rever o seu comportamento em relação a todos e sobre todas as questões de vida.

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