terça-feira, 25 de setembro de 2007

Contos - O Cume dos Tigres

O CUME DOS TIGRES

- Nariya mulher, uma desgraça aconteceu!

Entra correndo Rajiv alvoroçado em sua humilde cabana. Com o susto, Nariya deixa cair o prato com os grãos que estava separando para o almoço.

- O que foi Rajiv, meu marido! Que susto!

- O senhorio quer levar o nosso filho Sima!! – Exclama quase gritando Rajiv, com o rosto entre as mãos espalmadas.

- Como assim, acalme-se Rajiv.

- E diz ele também que leva nos toma também as terras e os elefantes pela dívida!

Marido e mulher se abraçam desesperadamente para afugentar a dor. Após minutos de silêncio Nariya diz soluçando:

- Vamos conseguir o dinheiro Rajiv.

- Mas como, não conhecemos ninguém. Já devemos para o dono da venda. O senhorio quer trinta moedas de ouro.

- Mas a nossa terra e os nossos elefantes valem mais do que isso!

Nariya recomeça a chorar pensando no futuro de seu filho Sima. Ela já imaginava o seu filho trabalhando como um escravo na casa do senhorio, recebendo maus tratos. Este pensamento a deixava mais desesperada. Visualizava Sima comendo restos de comida, dormindo no chão com animais, usando roupas rasgadas e andando descalço. A imaginação negativa de Nariya sobre o filho crescia mais e mais.

- Não quero perder o Sima. – Diz Nariya em prantos.

- Já sei. Vá falar com Surya, a vidente. Converse com ela, dizem que ela é capaz de milagres!

- A Surya pode bem nos ajudar.

********
- Surya sagrada, querem levar o meu filho!

- Acalme-se Rajiv. Mas por conta do quê?

- É a dívida que tenho com o senhorio.

- Mas todos sabem que a dívida é injusta, ele cobra absurdo pelos víveres.

- Surya faça alguma coisa.

- Pois bem Rajiv. E quanto ele está pedindo?

- Trinta moedas de ouro!

- Isso é um crime. Deveria informar as autoridades coloniais.

- As autoridades dos ingleses não se intrometem com assuntos da aldeia. É capaz de eles ajudarem o senhorio.

- Tem razão. Não se pode confiar nos ingleses. Não posso operar milagres, sou uma simples vidente, faço somente a vontade dos Deuses. A vontade dos homens é muito mais cruel do que a dos Deuses.

- Você pode ler as águas?

- É tudo que posso fazer por você. Vejamos.

- O que você vê?

- Não sei. Não vai ser fácil, mas vejo seu filho alegre, brincando com você no futuro.

- Então vou conseguir.

- Sim. Mas a sua perseverança será fundamental. O seu caráter será posto à prova. Passará por dificuldades jamais imaginadas. A sua escolha no momento difícil assegurará o Sima em sua casa.

*******
- O que faz na cidade Rajiv?

- Vim conversar com a Surya, a vidente. As coisas estão difíceis lá em casa. Querem me expulsar da minha propriedade e ainda nos tiram o elefante, caso não pague trinta moedas de ouro ao senhorio. E o pior de tudo, é que ele ameaça levar o meu filho Sima se eu não quiser perder a minha moradia!

- Você não é o único. Todos estão sofrendo na mão dos senhorios.

- Grande consolo em saber disto.

- A gente deveria dar uma lição nestes senhorios. Eles estão cada vez piores desde que chegaram os ingleses.

- Depois que os ingleses chegaram tudo piorou.

- Mas Rajiv, sabe quem está na cidade?

- Quem?

- O Maharaja de Charidapura, o senhor mais poderoso da região. Quem sabe ele não te ajuda? Seu senhorio deve obediência ao Maharaja.

- Mas são várias pessoas nesta minha situação, porque ele haveria de dar atenção ao meu caso? Não vou nem conseguir uma audiência com o Maharaja.

- Não custa nada tentar, já que você está na cidade.

- Mas o quê faz o grande Maharaja na cidade?

- Ele veio julgar as pessoas que cometeram crimes, fazer a partilha de bens, dar o parecer sobre as heranças.

- Será que não haveria um jeito de conseguir uma audiência com o Maharaja? Já sei! Cometo um crime leve, e em dois tempos estarei na frente do Maharaja!

- Você está maluco Rajiv? Onde já se ouviu falar em crime leve? Um crime é sempre um crime, não importa se é leve ou não.

- Deixa comigo!

Rajiv vai ao mercado da cidade tentar cometer um crime leve. Pobre Rajiv, que sempre fora honesto não sabia por onde começar. Aproximou-se do vendedor de verduras e tentou roubar uma berinjela. Ao tentar pegar a berinjela, eis que diz o vendedor:

- Meu amigo, pode levar a berinjela. Hoje tive um bom dia e já estou indo para a casa. Temos que compartilhar a boa sorte com as pessoas.

Com uma berinjela na mão, Rajiv pensou numa outra maneira de cometer o seu crime. Deu a volta pelo mercado, e tentou surrupiar a sacola de uma senhora de idade indefesa. Ao pegar a sacola a senhora disse:

- É você Rajiv, tão gentil! Vai me ajudar a levar a sacola para casa! Nossa, estava tão pesada!

- Senhora Pradesh! Quanto tempo! Quando vi a senhora com dificuldades, não podia ficar aqui parado sem fazer nada. – Diz Rajiv meio encabulado.

Era a senhora Pradesh, amiga de longa data da família de Rajiv. Rajiv acaba por acompanhar a senhora Pradesh até a sua casa e retorna ao mercado, desta vez decidido em cometer o seu crime de qualquer maneira, para salvar o seu filho.

Resolve então golpear a primeira pessoa que encontrasse para ser preso. Rajiv escolhe um sujeito franzino, e sem se anunciar, de sopetão, dá um golpe de punho fechado na cara do sujeito.

Porém...

- Obrigado amigo! Você golpeou o famoso ladrão de galinhas!

Eram dois guardas do Maharaja que estavam agradecendo Rajiv pelo golpe dado ao sujeito.

- Seu guarda! Me leve, seu guarda! Me leve ao Maharaja para ser julgado! Lhe rogo! Preciso falar com ele! Cometi um crime! Bati num homem indefeso.

- Que nada! Vai receber uma recompensa pela captura do ladrão de galinhas

Cansado com as tentativas frustradas, Rajiv entra num templo e começa a orar, pedindo uma conclusão favorável ao seu problema.

Ele senta em frente da imagem de Krishna e começa a orar fervorosamente, fazendo sinais com as mãos, até entrar num transe, que de exaltado o faz abraçar a estátua de Krishna.

- Teje preso por profanação!! – Grita o sacerdote do templo, que logo chama os guardas.

*******
- O próximo caso. – Diz o Maharaja indiferente.

- Sujeito profanou o templo sagrado abraçando a estátua de Krishna. – De pronto responde o guarda.

- O que diz em sua defesa súdito? – Pergunta o Maharaja.

- Grande e sábio Maharaja. – Diz se curvando Rajiv. Devo lhe dizer a verdade. Sou um pai honesto que tenta conseguir a sua atenção. O meu senhorio quer me tirar a propriedade e os elefantes, caso não pague a dívida de trinta moedas de ouro. E se não quiser perder a casa e os elefantes, ele disse que levaria o meu filho Sima.

- Continue. – Ordena Maharaja curioso.

- Para conseguir uma audiência com a Vossa Excelência, resolvi cometer crimes leves, nenhum dos quais tive sucesso, pois sou um homem de bem. Já atormentado pelo insucesso de minhas empreitadas, entrei no templo sagrado para orar, e num momento de exaltação, acabei por abraçar a imagem de Krishna. – Diz Rajiv como se soubesse que seus atos seriam compreendidos e perdoados pelo Maharaja.

- Trinta dias na prisão para que você endireite as suas idéias. O próximo! – Diz impassível o Maharaja.

- Mas Maharaja, lhe rogo, não quero perder o meu filho, ele é a coisa mais querida que tenho sobre a face da terra!

- Insiste em continuar com a sua história?

- Não há nada mais triste do que famílias separadas, o coração de um pai bate pelo do seu filho.

- Pois bem. Eu também tenho uma filha. Ela está doente. Somente uma erva rara no Cume dos Tigres pode salvá-la. Já mandei vários homens em busca da erva, mas ninguém retornou com vida. A minha filha tem pressa. Está disposto a sacrificar a sua vida para ficar com o seu filho? – Indagou o Maharaja esperançoso que Rajiv aceitasse a sua proposição.

- Sim Maharaja. Qualquer coisa. Trarei a erva, conquanto que eu fique com o meu filho!

- Pois bem, se você conseguir, as suas dívidas serão perdoadas e farei de você, o meu braço direito na região.

********
Rajiv caminha durante o dia e repousa em aldeias para atingir o Cume dos Tigres. Em todas as aldeias por onde passara, todos os aldeões lhe aconselhavam a desistir da empreitada.
Chegando quase ao pé da montanha do terrível Cume dos Tigres, foi recebido pela última aldeia, antes do início da escalada.

- Passe a noite conosco estranho. – Convida o chefe da aldeia. E parta logo pela manhã. Coma e durma bem, pois vai enfrentar o tigre devorador de homens.

- Obrigado senhor. Como lhe expliquei, faço isso por meu filho.

- Vou te contar um segredo. Vários homens já passaram por aqui, mas nenhum retornou com vida.

- Sim, disso sei.

- E então, está preparado para enfrentar a sorte.

- Sim, creio. Mas, e o segredo?

- Pois bem. O tigre na verdade é um feiticeiro que recebeu uma maldição. Por isso ele fala. Ele deve falar com os homens antes de devorá-los.

- O tigre fala?

- Sim, pois ele já foi um ser humano, como eu e você. E quer saber mais?

- Sim.

- A única forma de escapar da fúria do tigre, é desfazendo o feitiço.

- Mas como recaiu a maldição sobre o feiticeiro?

- Dizem que quando ele era humano, fez voto de castidade à deusa Upani da montanha, prometendo ser seu esposo até a morte. Fez isto em troca de poderes. Mas um dia ele conheceu uma jovem no vilarejo e resolveu se casar.

- Era deste vilarejo, a jovem?

- Não, você deve ter passado pelo vilarejo na boca do rio.

- Ah sim.

- Pois bem. Ele se casa com a jovem numa grande festividade, pois era o feiticeiro. Ele já tinha se esquecido por completo sobre o seu voto de castidade que fizera para a deusa Upani.

- E então?

- E pois, quando estavam festejando a casa nova, aparece a deusa toda furiosa e o transforma num tigre.

- E faz muito tempo?

- Isto já é quase uma lenda. Eu ainda não tinha nascido, ancião que eu sou.

- Que história!

- Pois meu filho, quem conseguir desfazer o feitiço da deusa Upani, leva a erva rara da filha do Maharaja para casa.

- Mas como fazer para retirar o feitiço da deusa da montanha?

- Isto ninguém sabe. Se soubesse não teria morrido tantos homens na tentativa de pegar a erva.

A noite cai na aldeia e Rajiv entre as cobertas, começa a sonhar com a escalada da montanha e o encontro com o voraz tigre. No sonho Rajiv está subindo um rochedo íngreme. Ao subir no rochedo, encontra uma linda mulher.

- Quem é você?

- Sou Upani, a deusa da montanha. Fiquei sabendo do fardo que leva em seu coração.

- Sagrada Upani, ajude-me!

- Você é um bom homem e um ótimo pai. Você com suas ações e pureza de sentimentos conquistou o meu coração.

- Upani, ajuda-me a ficar com o meu filho!!

- Sim ajudarei. Ensinarei-lhe as palavras mágicas que irão desfazer o meu feitiço. Mas tem uma coisa, aconteça o que acontecer, tenha fé em mim.

- Obrigado Upani, não sei como agradecer.

- Decore: Bhagavat Satya Pura. Agora basta adorar-me em seu lar, que estarei sempre ao seu lado.

Rajiv acorda de sobressalto todo suado. Não tinha certeza se toda a conversa com a Upani tinha sido real ou simplesmente fruto de sua imaginação.
Saiu pela manhã da aldeia, iniciando a íngreme escalada rumo ao Cume dos Tigres. No caminho encontrou dificuldades, trilhas que eram cortadas por rochedos gigantes, precipícios que teve que atravessar com cipós.

O sol já anunciava o meio-dia. Rajiv estava quase arribando ao topo do cume. De repente o céu ficou cheio de nuvens carregadas e o vento soprando cada vez mais forte. Rajiv tinha que fazer esforços para não ser soprado da trilha para o abismo.
Ao atingir uma plataforma de pedras, Rajiv escuta um rugido. Só poderia ser o voraz tigre devorador de homens. Rajiv olha ao seu redor e avista um tigre branco com listras negras preparando-se para o bote.

- Como se atreve, oh! ser humano sem valor. – Diz o tigre.

- Vim em busca da erva.

- Sabe então que está fadado à morte, como os outros que já tentaram a mesma coisa!

- Eu sei que você já foi um feiticeiro!

- Como sabe e como se atreve?

- A deusa Upani da montanha me ensinou como reverter a maldição.

- Chega de lorota, eu não quero saber o que você está fazendo por aqui, vou te devorar de uma vez por todas!!

O tigre dá um bote em direção a Rajiv, que momentos antes de ser mordido, diz as palavras mágicas:

- Bhagavat Satya Pura!

A boca felina que estava por arrancar um pedaço do pescoço de Rajiv se transforma em boca humana. O feiticeiro cai sobre Rajiv e logo percebe sua transformação.

- Milagre! Você dizia a verdade!! – Diz o feiticeiro.

- Eu te disse que a Upani tinha me ensinado as palavras mágicas!

O feiticeiro e o Rajiv se levantam. O feiticeiro ainda maravilhado com a transformação, olha para os seus braços e pernas humanos, como se ainda não acreditasse.

- Passei malditos duzentos anos como um tigre, numa solidão que nenhum ser humano iria entender. Não tenho mais a minha esposa, meu lar, minha terra, tudo se foi.

- Deve ter sido difícil. – Rajiv concorda.

- Você tem família e terras?

- Sim, uma linda família e um lugar para mim.

- Pois bem, quero as para mim!

- Mas como?

- Simples!!

O feiticeiro levanta as mãos lançando raios sobre Rajiv que se transforma num corvo, e num passo seguinte, o feiticeiro se transforma em Rajiv.

- Crou, crou, crou. – Rajiv tenta falar desesperadamente.

O feiticeiro então pega a erva rara e desce a montanha em direção à cidade de Rajiv.
O feiticeiro, que graças aos seus poderes, sabia tudo sobre a vida de Rajiv, chega ao palácio do Maharaja, levando a erva rara.

- Bravo súdito. Trouxe-me a salvação para a minha filha. Tomarei providências para que suas dívidas sejam perdoadas. Você será meu braço direito nesta região.

********
- Mamãe, um corvo fez um ninho no nosso telhado. – Diz Sima que entra correndo em casa.

- Devemos tirá-lo de lá. Corvos trazem azar para a casa. Chame o seu pai.
Sima fala com o seu pai, sem saber que o mesmo estava sendo personificado pelo feiticeiro.

- Papai, a mamãe pediu para tirar o ninho do corvo no telhado de nossa casa.

O feiticeiro já sabia que o corvo era o próprio Rajiv. Mas devido ao feitiço, não podia desfazer do ninho de Rajiv.

- Pode deixar que seu pai dará um jeito no ninho do corvo.

Passaram-se dias e o ninho ainda estava sobre o telhado. O feiticeiro disfarçado de Rajiv começava a dar sinais de que não era o próprio. Não trabalhava, contava mentiras, mudara os hábitos alimentares, ficava acordado à noite e não procurava a esposa. A esposa estranhando o comportamento do marido pergunta:

- Rajiv marido, o que aconteceu com você? Você está tão diferente, não trabalha mais, não dá afeto ao nosso filho, me trata como se fosse uma estranha, o que aconteceu? Você nem teve o trabalho de tirar o ninho do corvo do telhado!

- Nariya querida, é que a aventura que eu passei no Cume dos Tigres me deixou abalado, eu não me sinto bem, esta coisa de quase perder o menino me enfraqueceu muito. Todas estas coisas me deixaram sem ânimo.

- Mas o Maharaja perdoou as dívidas e te fez o novo senhorio. Ganhamos uma casa nova, estamos com uma propriedade maior e a nossa dispensa nunca esteve tão cheia. Você deveria estar mais disposto com as mudanças na nossa vida.

- Sim é verdade, pode deixar que logo logo retomo o meu ânimo.
O feiticeiro ficava vários dias trancafiado em seu quarto, conversando com ninguém, deixando Nariya cada vez mais preocupada. Não agüentando mais o comportamento estranho de seu suposto marido, Nariya resolve ir para a cidade consultar Surya, a vidente.

********
- Surya, o meu marido está totalmente mudado desde que voltou do Cume dos Tigres.

- Deixe-me consultar as águas. Deixe-me ver. Este não é o seu marido. É um feiticeiro disfarçado de Rajiv.

- Como assim?

- É isso que eu vejo.

- E onde está Rajiv?

- Acenda esta vela. Deixe-me ver. Sim, está passando por dificuldades. Está numa situação muito difícil. Parece que ele foi transformado num pássaro.

- Pássaro?

- Parece que foi transformado num corvo pelo feiticeiro.

- Será que é o corvo que fez um ninho no telhado de nossa casa?

- Provavelmente. Você deve expulsar logo este feiticeiro de sua casa, caso contrário trará desgraças para o lar.

- Já está sendo uma desgraça. Diga, como posso reverter a desgraça?

- Deixe-me ver... Ele é um feiticeiro muito poderoso. Mas deve ter um ponto fraco. Deixe-me consultar as águas... Aha! Ele não pode comer a folha de tulsa! O feitiço se desfaz com a folha de tulsa.

- Já notei que ele não come nenhuma folha. O Rajiv antigamente vivia só de folhas.

- Pois bem, leve esta folha de tulsa e coloque na comida dele. Isto deverá desmascarar o feiticeiro!

Chegando a casa, Nariya prepara bolinhos de arroz com folha de Tulsa.

- Rajiv marido, preparei os seus bolinhos de arroz prediletos! Você anda tão chato com a comida ultimamente que não sei mais o que cozinhar. E como sei que você adora bolinhos de arroz, preparei-os com muito carinho para te alegrar!

O feiticeiro pensou em recusar os bolinhos. Sentia que algo estava estranho. Mas com o intuito de agradar a mulher, resolve comer um bolinho de arroz com a folha de tulsa. Ao dar a bocanhada grita:

- Mulher ardilosa! Você descobriu o meu segredo!

Ao dizer isto, a figura de Rajiv dá lugar ao do velho feiticeiro. Desmascarado, o feiticeiro se levanta e tenta agredir Nariya. O feiticeiro agarra a Nariya e quando ia começar a bater na mulher, aparece Rajiv em forma de corvo e ataca os olhos do feiticeiro. O feiticeiro grita de dores largando a mulher. Cai no chão contorcendo-se e desaparece numa nuvem de fumaça.

- Crou, crou, crou. – Tenta falar Rajiv com a esposa.

- É você Rajiv! O que foi que fizeram com você?

Nariya começa a chorar pela desgraça em sua família. Abraça o seu marido transformado em corvo e começa o seu triste pranto.
Neste instante, aparece a deusa Upani da montanha, que já não agüentava ver tanta desgraça numa família de pessoas virtuosas.

- Acalme-se, não chore, vou desfazer o feitiço. - Diz Upani.

A deusa evoca as forças da natureza e transforma o corvo nos braços de Nariya em Rajiv novamente.

- Milagre! Milagre! Oh deusa! Não sei como te agradecer. - Diz Nariya aos prantos.

- Basta adorar-me na segunda lua do mês. Eu não agüentava ver tanta desgraça nessa família de bem.

- Rajiv meu marido!

- Nariya, pensei que não iria mais ter fim!

Assim, Rajiv e Nariya passaram a adorar a deusa Upani da montanha na segunda lua do mês com festa, cantos e hinos. Rajiv constrói um templo para a deusa no vilarejo e toda a população começa a adorar a deusa. Torna-se um bom senhorio, aplicando leis justas, fazendo prosperar a comunidade. Ele proíbe a escravidão de crianças em toda a região, dando início a uma era de paz, prosperidade e justiça.


Capítulo 2
Duas gerações após Rajiv, a aldeia esquece de adorar a deusa Upani o que propicia a reencarnação do feiticeiro... A cidade de Charidapura entra em decadência, com a sua existência virando uma simples lenda duzentos anos depois.
Sima renasce como pai da Nariya. Ela gostara da idéia de ser filha de Sima, pois estaria com ele desde o nascimento. Rajiv resolve se reencarnar numa família de ladrões para entender o lado de quem recebe punições da lei, pois passara toda a sua vida como homem da lei, julgando malfeitores. Ele queria saber como pensa aquele que transgride a lei, para melhorar o seu entendimento sobre justiça.
O feiticeiro reencarna como sacerdote do templo, com a intenção de influenciar os governantes e assim obter poderes e riquezas.

- Rajiv! Espere por mim!

Rajiv e Meme fogem de dois guardas reais que os tinham apanhado roubando um comerciante na cidade. Rajiv corre como o vento, esquivando-se de obstáculos, fluindo como a água do rio. Meme no entanto, tem dificuldades, atropelando tudo que vem à sua frente. Pisa numa galinha, esbarra-se no poste, deixa cair a mercadoria roubada. Meme tem muitas dificuldades de seguir atrás do líder Rajiv.

- Vamos Meme, foge, senão te cortam as mãos.

- Mas a sacola está pesada.

- Vamos embora Meme. Vamos pular aquele muro!

Rajiv e o seu companheiro Meme pulam o muro despistando os guardas reais. Do outro lado do muro está um chiqueiro. Os dois caem no lamaçal, sujando se todo, e misturando se entre os porcos. Os guardas reais olham por cima do muro, mas não percebem que os dois estão escondidos entre os porcos.

- Sumiram. Incrível. Mas eu sei quem era. Eu vi o rosto deles. Eram Rajiv e Meme. Não foi hoje, mas amanhã eles não escapam. – Diz um guarda ao outro.

- Rajiv, já podemos ir? – Meme pergunta sorrateiro. Eu não agüento mais o cheiro.

- Calma, espere um pouco. Eles ainda não desistiram.

Enquanto isto um dos porcos morde o traseiro de Meme.

- Uuuuiiiiiii! – Grita Meme.

O grito chama a atenção dos guardas. Rapidamente a mão de Rajiv cobre a boca de Meme. Rajiv começa a imitar os porcos.

- Oinc, oinc, oinc.

- Você escutou um grito? – Pergunta um dos guardas.

- Não, só estou escutando os porcos. Vamos, este cheiro está me sufocando - Responde o outro guarda, afastando-se do muro.

Rajiv e Meme ficam entre os porcos por mais alguns minutos. Após terem a certeza de terem despistado os guardas, os dois saem da lama e retornam para o esconderijo.

- Pois bem! O que vocês trouxeram!! – Pergunta gritando o chefe dos ladrões.

- Trouxemos prataria senhor. - Retruca Meme tremendo.

- Ainda bem. Assim não vou me sentir tão prejudicado ao ver vocês comendo a minha comida. E não se esqueçam, vocês devem tudo a mim, míseros órfãos. Catei vocês na rua, vocês que nem tinham onde cair mortos. Trato vocês como se fossem meus filhos. Dê-me a prataria.

- Sim senhor Gajendra. É tudo que conseguimos carregar. – Rajiv oferece humildemente a prataria ao seu senhor.

- Não é prata! É imitação! - Exclama Gajendra com ódio. Nada de comida para vocês hoje. Vão ficar só na água e no pão velho. Ainda têm sorte de ter água para beber!

Rajiv percebe que Gajendra está mentindo para economizar a comida. Com muita habilidade tenta convencer que a prata é verdadeira.

- Mas senhor, veja o peso da peça, não poderia ser imitação. Ademais, roubamos a peça da casa de pratarias da cidade. O senhor não faz idéia dos apuros que passamos. – Explica Rajiv.

- Não interessa. Não quero ouvir conversa de mentirosos. Kamala, passe o cadeado no portão para que os dois não fujam. Agora vocês vão para cama!

Rajiv e Meme recebem um pedaço de pão velho. Os dois olham para o pão e nem sentem vontade de comer.

- Rajiv, temos que sair desta. É o terceiro dia que a gente fica só no pão velho e água.

- É verdade Meme. Estou morrendo de fome. Quero comida de verdade. Já não agüento mais esta ração. Até o cachorro da casa come melhor.

- E olha que somos nós quem corre o risco para depois ficarmos na pior. Isto é injusto Rajiv.

- Já sei Meme. Vamos fugir daqui.

- Mas como Rajiv, não temos para onde ir!

- A gente dá um jeito. O que importa é sair daqui o quanto antes possível. Depois a gente pensa como iremos sobreviver.

- Mas como, a Kamala passou cadeado no portão. O portão é muito alto para a gente pular.

- Vamos fugir pela janela da sala.

Rajiv e Meme quebram o gradil da janela da sala. Quando os dois estavam prontos para fugir, eis que aparece o cachorro da casa ameaçando a latir, denunciando a fuga dos dois.

- Calma cachorrinho, toma aqui um pedaço de pão – Meme retira do bolso um pedaço de pão e tenta acalmar o cachorro. Como Meme fora um cachorro na vida anterior, ele tinha facilidade de lidar com eles.

- Ainda bem que você tem jeito com os cachorros. Pelo menos algo que se salva das tuas trapalhadas.

- Vamos come cãozinho. Agora vá deitar, vai!
O cachorro como se obedecendo ao seu dono, sai da sala levando consigo o pedaço de pão.

- Agora vamos embora – Diz Rajiv sussurrando.

Os dois descem da janela através de uma corda improvisada com lençóis e ganham a rua, rumo à tão desejada liberdade.

O luar estava claro, e Meme podia ver nitidamente o rosto do Rajiv. As ruas estavam desertas e um silêncio brutal pairava no ar.
Rajiv e Meme são presos por traficantes de escravos.

Continua...

Nenhum comentário:

Google