quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Noosfera 1

NOOSFERA

O Universo é uno e indivisível.
Cada um sente o universo de acordo com as suas limitações.
Se a visão é ampla, o universo será amplo.
Se a visão é restrita, o universo será restrito.
Cada um vê o universo de acordo com o seu grau de conhecimento ou ignorância.
Cada um é responsável para ampliar o seu universo.
Assim fazendo, estará ampliando a consciência coletiva, trazendo frutos à humanidade.

Se todos falassem a verdade, e ninguém mentisse, haveria miséria no mundo?

Se todos cumprissem com a palavra, e se as ações refletissem as palavras e os pensamentos, haveria miséria no mundo?

Saberá quantos anos levarão para que o homem entenda que não são necessários deuses, messias, profetas, budas. Será tão difícil a emancipação da infantilização divina?

Derramaremos ainda muito sangue se as crianças dentro dos dirigentes mundiais não aprenderem a compartilhar a sua merenda.

Do que adianta a hipocrisia num mundo descaradamente hipócrita? É muito mais inconveniente ser singelo e sincero.

A razão está nas mãos dos mais fortes. Os mais fracos simplesmente se contentam com a insanidade.

Aqueles que usurpam a razão, o discurso, a justificativa, a retórica, se munem da filosofia somente para esconder as sombras das intenções do seu coração.

Justificativa sempre há, por mais nefasta que seja a vontade e o objetivo. Basta buscar, montar, estruturar e convencer a si mesmo que certos princípios podem ser atropelados em nome da ciência ou da filosofia.

Os nórdicos europeus não são familiarizados com o discurso e a retórica, pois o seu pragmatismo não permite. Já os latinos não são familiarizados com a pragmática, pois o seu excesso de discurso e retórica não permite.

Os chineses dominaram os mares antes dos europeus, com naus oito vezes maiores que as caravelas de Cabral. Se a China não tivesse abandonado a saga marítima, estaríamos falando chinês hoje?

A chegada dos europeus ao Novo Mundo foi um confronto entre uns que tomavam banho e outros que não tomavam banho. Os que não tomavam banho dizimaram os habitantes do Novo Mundo com as suas doenças.

Quando o Oriente se tornar o Ocidente, o Ocidente se tornará o Oriente.

O mundo inteiro planta, colhe, constrói, transforma bens e labuta muito para pagar as suas contas. Os norte-americanos simplesmente pagam as suas contas imprimindo dólares e comprando o que o mundo produz.

Queremos o Brasil unido, pois o “Brazil” está nos alienando.

Os escravos da cidade de Atenas sabiam que a democracia era uma coisa para os cidadãos, homens de bens e de posses. Onde está a nossa cidadania?

Quando se esquenta o debate, perde-se a razão. Quando se esfriam as paixões, já não há mais razão de ser.

Ilegal é sempre imoral, para conveniências circunstanciais. Imoral ou amoral nem sempre é ilegal, muitas vezes legal para a conveniência de poucos.

Os sábios se contentam com nenhum reconhecimento, os intelectuais muito reconhecimento, os esforçados ainda buscam o queijo no labirinto.

Quanto mais cautela, mais rigor, mais ciência, menos espontaneidade, menos erro. Um erro genético causou a mutação de um primata que evolui como homo sapiens sapiens.

Quantos elementos existem no universo? Depende de quantos universos existirem num elemento.

Quantos passos são necessários para a eternidade?
Depende como se faz a pergunta, pois a resposta é condicionada pela pergunta.

Hoje é um dia feliz. Amanhã também.
Tudo vai depender do que sente o seu coração.

Sorrir é bom. Não custa nada. Aumenta os níveis de serotonina e endorfina, e não faz mal para o bolso.
Quantos passos para a felicidade? Nenhum. Você está sentada nela!!

Qual o tamanho do seu ego? Pode ser perigoso se for maior que a sua pessoa.

Caça ao tesouro. Quem estiver vivo, já encontrou.

Quantas palavras boas são necessárias para se construir um sonho, uma realidade?
Só sei que basta uma palavra ruim para destruir.

Felizes os monges budistas que aprendem a falar a coisa certa, na hora certa, no lugar certo, para a pessoa certa.

Muitos comem o que não necessitam, e se engordam.
Muitos escutam o que não necessitam, e se abobam.

Tenha cuidado com o que come. Pode-se tornar remédio ou veneno.

Quando o alvorecer deixar de ser, será tarde demais para agradecer a natureza.

Quantas pedras no caminho? Quantas pedras para se construir uma estrada?

A libertação do homem do trabalho não é o problema. O problema é o que fazer no ócio.

O ovo quando chocado no ninho, vira uma pequena vida. O ovo quando quebrado numa frigideira, vira uma pequena refeição. Uma refeição mal aproveitada, é uma vida não aproveitada.

Cuidado com a vida. Ela vem sem manual de instruções.

Gostaria de brincar sem parar, com a minha pipa, o carrinho de rolimã e as minhas amoras. Goiaba bichada, porém doce, no quintal do vizinho. Jabuticaba a manchar a camiseta, e um grande sorriso estampando a minha alma.

Quando vier a entender como funciona realmente a vida, não terá mais necessidades que não sejam supridas.

Noosfera 2

Mahatma Gandhi já dizia, que se continuarem com esta coisa de olho por olho, dente por dente, a humanidade um dia estará cega. E com certeza banguela também.


Com muita sabedoria, Confúcio disse que para se ter prosperidade no País, era necessário ter paz na sociedade.

Para se ter paz na sociedade, era necessário ter paz na família.

E para se ter paz na família, era necessário ter paz no coração de cada pessoa da família.

Portanto, cuide bem do seu coração.

A violência começa na alma, passa para a mente, e se concretiza em ações. Você já orou pela Paz hoje?


Sabe quantas estrelas cabem em seu coração? Depende do tamanho sorridente da sua imaginação.


Queria que a minha mão fosse do tamanho do céu para poder oferecer à minha amada, um buquê de estrelas-cadentes.


Grandes são as possibilidades do ser humano, num dia de bom humor.

Sem saída é a sina da humanidade, num dia de depressão.


O conhecimento nos leva a vários lugares. A ignorância nos ensina a apreciar o mesmo lugar.


Os portugueses descobriram a ilha de Vera Cruz por um acaso. Será que é por isso que a gente ainda improvisa tudo por aqui?


Mais bocas que sacos de arroz. Imigre para o Brasil para ajudar o Japão. Cartaz do governo japonês no início do século passado, incentivando a imigração.


Legalidade não quer dizer sensatez. Lembre-se que tudo que o Hitler fez na Alemanha, foi com o respaldo da lei.


Os ingleses ficaram poderosos escravizando indianos e vendendo ópio para a China, e se consideram cavalheiros. Será que um dia chamaremos os traficantes colombianos de cavalheiros?


Os habitantes da ilha do Pacífico Sul, quando foram colonizados pelos espanhóis, se tornaram católicos. Depois colonizados pelos alemães, protestantes. Com os japoneses, xinto-budistas. E aí chegaram os estadunidenses e se tornaram metodistas, evangélicos, baptistas, mórmons entre outros.


Dicionário online. Agite-o antes de usar. Somente abra em caso de emergência cultural.


Destino é quando tudo dá certo, e sina quando tudo dá errado.


Quando há muitas leis, há sempre corrupção. Dizia-se então na Roma antiga.


Naquela estória do concurso de hinos nacionais, cada país, diz que seu hino foi vencedor.


Um dia as barreiras culturais não mais existirão no mundo. Seja pela unificação pasteurizada via Mac Donald's, ou pela diversidade da Internet. Ou os dois.


Seria muito inconveniente estar num mesmo abrigo nuclear, junto com um ditador prepotente com retenção anal.


Morreram três mil soldados estadunidenses e deram cobertura jornalística de uma hora. Morreram mais de duzentos mil civis iraquianos, e o fato mal foi divulgado.


Inteligência de mais atrapalha, pois a certa altura, é necessário tornar se sábio.


Quem sabe, sabe e se cala. Quem não sabe, levanta poeira demais.


Você sabia que eu sei que você sabe que eu sei que você sabe?


Prazer ou dor. Segurança ou perigo. São as pastas para os arquivos do meu cérebro.


O Ocidente é o hemisfério da razão. O Oriente, da emoção. No cérebro também.


Eu sou o melhor ou o pior? Enquanto a pergunta fizer sentido, acabará sempre sendo o melhor ou o pior. Quando a pergunta não mais fizer sentido, encontrarás a resposta definitiva.


Diz-se que quem se aventura, afortunado é.


Longas distâncias percorri. Terras distantes visitei. Não sabia que estava explorando o interior da minha alma.


Na Índia, diz-se que um ladrão astuto está mais apto a se iluminar seguindo o caminho certo, do que uma pessoa boazinha fazendo boas ações, portando-se como um carneiro.


Há resolução para o desejo carnal. Porém o desejo espiritual leva o homem a trilhar caminhos mais perigosos do que da carne.


Os serenos às vezes passam na frente dos audaciosos por possuírem a cautela. Porém, para ser um sereno, é necessário contentar-se com pouco.


O caminho conhecido nos traz a segurança, mas nem sempre a liberdade.


Segui sempre por caminhos não trilhados. Não encontrei nem o conforto e nem a segurança, mas acabei por encontrar a jóia mais rara.


Dizem os sábios espanhóis: é melhor se arrepender por comissão do que por omissão.


Penso, logo existo. Consumo, logo existo.


Ganhar sempre é perigoso. A autocrítica começa a se esvaecer.


A perseverança é uma virtude, mas é inútil se não acompanhada da inteligência.


Saber dosar entre a riqueza espiritual e a material. Eis a receita da felicidade.


O dinheiro é um meio de poder exercer as vontades. Porém tendo o dinheiro vontades próprias, as pessoas passam a ser o meio delas.


Quando se considera um feito admirável, estamos somente olhando para os frutos. Mas quantos anos foram precisos para que a árvore desse os frutos?


Forjando a realidade, encontrará sempre as coisas do seu jeito. Mas não se pode manipular para sempre a realidade.


Um comportamento harmonioso, requer um corpo em equilíbrio.


Segundo os chineses, um fígado em desequilíbrio, enche a pessoa de raiva. Um pulmão mal cuidado, de tristeza. Rins descalibrados, enchem-nos de medo.

Para os chineses, um comportamento anti-social, não passa de um desequilíbrio de energias no corpo e na mente.
Portanto, segundo os chineses, para cuidar da mente e das emoções, deve-se cuidar primeiro do seu corpo.

Então, acho que o fígado do mundo está em desequilíbrio.


Este blog contém doses exageradas de utopia. Manusear com cuidado.


Subia a pipa sem parar, indo para longe, tornando se apenas um ponto no céu. Lá junto com a pipa, ia o meu coração de menino.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Noosfera 3

A certeza é a amiga da ciência. A incerteza, inspiração dos artistas.


A certeza traz o conforto. Porém, se mal utilizada, a certeza vem acompanhada do radicalismo e do fanatismo. Mas o radicalismo e o fanatismo, também trazem o conforto aos que neles aderem.


O certo, é o amigo. O incerto, o inimigo. A ciência traduz o incerto para o certo. As pessoas tratam o estrangeiro como o incerto. Eis a raiz da discriminação. Utilize das ciências humanas para fazer do incerto o certo.


A cultura contemporânea ocidental privilegia as ciências exatas, deixando as ciências humanas de lado. Por conseguinte, ocorrem os absurdos sociais da discriminação e do medo.

E como dizia Einstein, “É mais fácil quebrar um átomo, do que quebrar um preconceito”.


Até o final da Guerra Fria, quem dava as cartas em relação ao comportamento social, eram os governos.

No pós-Guerra Fria, o comportamento social é regido hierarquicamente pelas corporações. Os desempregados podem se comportar como desejarem.

Por sorte, a corporações entenderam que a rigidez hierárquica, herança da era industrial, não é boa para os negócios. A era da informação disponibiliza e exige maior flexibilização.

Se tudo continuar como está, num futuro próximo, teremos fábricas manejadas por robôs japoneses, e escritórios somente com especialistas (assistidos por computadores no lugar de pessoal administrativo), convivendo com uma legião de desempregados.

A opção para a horda de desempregados, é que se invista mais no consumo da cultura. Já que o pão está garantido pelas máquinas, circo para o povo.


Os estadunidenses transformam tudo em negócio. Até fiado virou cartão de crédito!


O crédito já substituiu a poupança em mercados de capitalismo avançado.

Na mão das instituições financeiras, crédito é sinônimo de oportunidade de negócios. Só que na mão do consumidor, crédito é dívida.

Porém, as leis da macroeconomia, baseiam-se na poupança acumulada, e não na poupança futura, o crédito.

Ao menos que a economia passe a funcionar de poupança futura, viver de crédito, por agora, é penhorar o futuro.

Para trabalhar com a poupança futura, será necessário muito planejamento para a produção econômica, sem cair no estadismo soviético.

A mão mágica e misteriosa do mercado ou o encontro e o desencontro entre a oferta e a demanda, terá de ser decifrada.


Os terríveis e cruéis mongóis descendentes de Genghis Khan, invadiram e conquistaram a China, e se tornaram chineses.

Os temíveis guerreiros Jurchens da Manchúria, invadiram e conquistaram a China, e se tornaram chineses.

O jesuíta Matteo Ricci foi enviado à China para catequizar os Hans, e acabou se tornando um chinês.

Pense duas vezes antes de invadir a China.


Quem busca acha. O achado é muitas vezes o reflexo da alma.


O real desejo do homem é saciar a coceira da alma com os seus cinco sentidos. E tem o sexto.

E para saciar a coceira da alma, o homem desbrava fronteiras do Universo, da ciência e da razão, em busca de si mesmo.

As pirâmides são frutos da concretização dos desejos dos egípcios e dos maias. O que é mais real? As pirâmides ou os desejos?

Filosofias, modas, monumentos, catedrais, arquiteturas, matemáticas, Las Vegas, viagens no além-mar e no espaço, bens de consumo. O que coçava na alma destes homens e mulheres?

Nada de novo sob o sol. Somente a repetição e a permutação de memórias cósmicas.


Fala-se muito da paz. Todos estão carecas de saber dos benefícios da paz. Mas a espécie humana insiste em guerrear. É pior que fumante ou alcoólatra.

Pax Romana, Pax Sinica, Pax Britannica, Pax Sovietica, Pax Americana. Já pensou numa Pax Muçulmana? Houve uma com os otomanos.


Durante as cruzadas, os muçulmanos chamavam os europeus de “ferankish”, ou seja, “franceses”, talvez por influência dos Cavaleiros Templários. Quatro séculos depois, os portugueses ao aportarem no sudeste asiático islamizado, foram também chamados de “ferankish”.


Na China, com uma população de 1,5 bilhões de pessoas, é compreensível que haja somente 1 m2 para cada um habitar. Não se entende por que no Brasil, numa densidade demográfica muito menor, as pessoas vivem apertadas em favelas.


A história climática do planeta Terra é de instabilidade. Quando estável, as civilizações se proliferam, e numa instabilidade, elas se afundam.

Porém a instabilidade sempre foi causada por decorrência da natureza. Agora, o clima se torna instável pela obra do homem. No estágio em que se encontra a humanidade, há proteção contra tudo, menos contra o próprio homem.

Já ocorreram cinco extinções biológicas em massa no planeta Terra, causadas por intempéries da natureza. A próxima, com certeza, será por burrice.


Pílula para dormir, pílula contra a depressão, pílula para se manter acordado, pílula para ansiedade. Só falta a pílula para a solidariedade.


A internet desmancha fronteiras políticas, criando novas fronteiras virtuais.

Como se sabe, em 2035, o estado-nação Second Life, foi aceito na ONU como membro do Conselho de Segurança.


A inteligência fala para o cérebro. A sabedoria fala para o coração.


Quanto mais esperto, mais rápido concretizará os seus desejos. Porém, para tal, a futilidade é imprescindível.


Na minha meninice, sujo de sagu, o almoço fazia menos sentido do que a sobremesa.

Contos - O Porta-Jóias de Valáquia

O PORTA-JÓIAS DE VALÁQUIA

Era meio-dia. Enquanto estava pensando o que almoçar, Rashid estava na entrada da sua loja de antiguidades, na cidade de Samarcanda (atual Uzbequistão), arrumando os artigos para venda nos mostradores.

Enquanto alinhava as peças em exposição, notou um homem se aproximando à sua loja. Era um homem alto, esbelto, magro, já de idade. Arrumando o seu turbante, Rashid cumprimentou o estranho que retornando a sua gentileza, estendeu a sua mão.

- Prazer meu jovem. Meu nome é Ibrahim. Você compra artigos antigos, suponho?

- Sim senhor, prazer, Rashid. – Observando melhor o estranho, percebeu o vendedor, que o mesmo trazia consigo sob os seus braços, uma caixinha de metal. – Como lhe posso ser útil?

- Tenho comigo aqui, um pequeno porta-jóias otomano. Está na minha família há mais de três gerações.

- Com licença. Deixe-me ver. Otomano... Parece algo cristão...

- Conheces bem meu caro rapaz, como era mesmo o seu nome?

- Rashid, senhor.

- Bem Rashid. Esta caixa de jóias foi um presente que o meu bisavô ganhou do Sultão Mehmed II. O Sultão Mehmed II foi o homem que tentou invadir a Transilvânia em vão. Da frustrada campanha contra os valáquios (atual romenos), trouxe de volta somente um ourives cristão, que confeccionou este porta-jóias...

- Portanto, é otomano, mas é valáquio. É um ourives cristão tentando criar formas islâmicas em seu trabalho. Que interessante.

- Exatamente. Muito raro no império, principalmente depois que os senhores de guerra não mais tomaram interesse, em expandir o poderio otomano Europa adentro.

- E o senhor gostaria de vendê-lo.

- Não gostaria, por razões que não posso lhe confidenciar agora. Mas devo me desfazer da peça.

- Ora, todos precisamos de dinheiro, meu senhor. Mas posso muito bem lhe pagar três moedas de prata, de acordo com o peso da prata do porta-jóias.

- Mui bem rapaz. Você me ofereceu o melhor preço. Ninguém se importa pela raridade.

- Sinto muito senhor. É tudo que eu posso lhe arranjar. As pessoas da cidade não saberiam apreciar o seu valor nato, e portanto não posso lhe pagar pela raridade da peça.

- Pois bem.

Rashid entrega as três moedas de prata. Observa atentamente a peça em prata. A tampa era decorada com o baixo-relevo de dragão entrelaçado entre vinhas. Ao erguer o rosto para perguntar sobre o desenho do dragão a Ibrahim, não encontrara mais ninguém em sua frente. O senhor de idade já tinha desaparecido sem deixar nenhum rastro.

Como gostara do porta-jóias, Rashid resolve ficar com a peça para consigo. Resolve trocar o velho caixa da loja pela nova aquisição.

- Mehmet meu irmão, coloque todo o dinheiro do caixa neste porta-jóias. Nos trará sorte. Vem de muito longe.

*****

No dia seguinte, Rashid abre a loja, arruma e expõe as antiguidades para a venda, varre a calçada e entra na loja para tomar um chá.

Enquanto fazia a contabilidade do mês, abre o porta-jóias para conferir o caixa. Para sua surpresa, na contagem das moedas, Rashid constatou que havia o triplo de moedas no caixa.

- Mehmet meu irmão, você colocou algum dinheiro no porta-jóias?

- Não Rashid. Só coloquei as moedas de ontem. O resto está guardado no quarto dos fundos, no cofre.

- Então como explica que temos três vezes mais moedas no porta-jóias? Deve haver algum engano.

- Você deveria estar preocupado se houvesse menos moedas, meu irmão Rashid.

*****

No dia seguinte, Rashid faz a mesma rotina de abertura da loja, e verifica o saldo do caixa.

- Mehmet meu irmão. Que brincadeira é essa? Você colocou moedas de novo no porta-jóias!

- Não Rashid. Pode contar o dinheiro no cofre. Não mexi em nenhuma moeda.

- Como assim? Só pode ser você! Não fui eu, e a única pessoa que mexe no caixa é você!

- Quanto a mais tem no caixa?

- Três vezes mais que ontem.

- Você acha que eu estaria polindo prata velha nesta loja escura com todo este dinheiro? Você sabe que eu sei muito bem, como gastar mal o dinheiro.

- Então quem colocou? Não só hoje, mas também ontem.

- Fique contente meu irmão. É dinheiro. E dinheiro a mais, nunca fez mal.

- Vá contar o dinheiro no cofre, Mehmet.

*****

- Só pode ser o porta-jóias! Estamos ricos! Quanto você falou que tinha no cofre, Mehmet?

- Três vezes mais em relação à última contagem.

- Não pode ser! Estou sonhando!! Tinha mesmo algo de estranho naquele senhor. Tinha jeito de dervixe.

- Dervixe ou não, pelo jeito não era muito inteligente. Abrir mão de uma coisa tão valiosa!! Rashid, estamos ricos!

- Conte de novo as moedas no porta-jóias Mehmet.

Mehmet revirou as moedas sobre uma toalha e as contou novamente. As mesmas tinham se triplicado novamente. Ao esvaziar a caixa, Mehmet notou que o fundo era forrado com um veludo que estava se descolando.

Com a intenção de querer arrumar o veludo, acabou retirando o fundo. Mehmet então percebeu que sob o fundo de veludo, havia uma inscrição no corpo, cunhada em prata.

- Veja Rashid, há uma coisa escrita no fundo do porta-jóias. Está em árabe clássico. Venha ver.

- Deixe-me ver. Diz: “Riquezas e bons augúrios terá o dono deste porta-jóias. Em troca, a sua juventude será exaurida, se o porta-jóias não for devolvido às terras da Transilvânia. O porta-jóias deverá ser colocado sobre o túmulo da Senhora dos Rios. Para aqueles que não puderem empreender a jornada, devem entregar a jóia para alguém que a consiga.”

- Transilvânia? Onde fica isto Rashid?

- Fica à oeste do Império Otomano, na fronteira da Europa. É muito longe de Samarcanda.

- Veja Rashid, você está com os cabelos brancos. Parece que envelheceu vinte anos! Está perdendo a idade, exatamente como diz a inscrição no porta-jóias!!

- O quê?! - Rashid corre para o espelho. – Todos os meus cabelos estão brancos! Eu sabia que tinha algo de estranho naquele senhor! Deve ter desfrutado dos poderes do porta-jóias e passou a maldição para mim!

- Mas ela não diz, que quem não pode fazer a viagem, deve passar para quem possa?

- É isso que aquele velho fez! E não deve ser nenhum velho! Ficou velho aproveitando-se do poder do porta-jóias! Rápido Mehmet, venda esta maldição para os mercadores da Rota da Seda que com certeza passarão pela Transilvânia!

Mehmet saiu correndo em direção ao mercado da cidade, em encontro com os mercadores da Rota da Seda.

*****

Passaram-se seis anos e Mehmet nunca mais havia regressado do mercado. Rashid pensava todos os dias no irmão que desaparecera.

Um dia, ao abrir a loja, encontrou um senhor de idade deitado na porta da loja.

- Senhor, levante-se. Está muito frio o piso, lhe fará mal, ainda mais com a idade que possui.

- Sou eu, Rashid... Me ajude...

- Como? O senhor precisa de alguma coisa? Como sabe o meu nome?

- Não me reconhece? Sou o seu irmão, Mehmet!

- Mehmet! Você envelheceu tanto! O que aconteceu com você?

- Eu ia levar o porta-jóias para o mercado, mas decidi ficar com ele. E agora estou pagando pela minha tolice...

- Mas para onde você foi durante todo este tempo?

- Fui para Bagdá e tive uma vida de sultão. Tive um grande harém, escravos e muitos camelos. Mas a minha vida está se acabando.

- Seu tolo! Desapareceu sem dizer nada, deixando a sua família em agonia, e agora que fez a sua besteira, quer a ajuda!

- Por favor Rashid, me ajude!

- Nem morto! Quem mandou se afogar na cobiça?

- Lhe peço Rashid, em nome de Alá!

- E nessas horas você invoca o nome do Grande Senhor. Era só passar para frente a maldição!

- Sim eu passei para frente o porta-jóias...

- E não funcionou?

- Não. Você não entende. Você não leu toda a inscrição no fundo da caixa.

- Claro que li, você estava aqui Mehmet! Como você é tolo!

- Você não tinha arrancado o fundo todo. Havia mais coisa escrita.

- E o que dizia?

- Diz que o décimo-terceiro dono deve pessoalmente devolver o porta-jóias para a Transilvânia. Diz também que a cidade do décimo-terceiro dono seria saqueada.

- E por acaso você é o décimo-terceiro?

- Sim sou. Passei o porta-jóias para um mercador que estava passando por lá, mas a maldição não foi transferida, e nem a multiplicação das moedas. O tempo foi passando, e um dia Bagdá foi saqueada, invadiram a minha casa e levaram tudo.

- Eu acho bem merecido. Às vezes não acredito que a gente vem de um mesmo ventre.

- Faça alguma coisa, Rashid meu irmão, estou morrendo!

- Juro pelo túmulo do nosso falecido pai que não irei te ajudar. Gozou, aproveitou do bom e do melhor sozinho, e agora que agoniza...

- A nossa mãe nunca irá te perdoar se você me deixar morrer de velhice...

- Agora pensa na mãe. Ora pois, só faltava essa!!

*****

Após uma noite de insônia e de remorsos, Rashid resolve levar o seu irmão Mehmet para a Transilvânia. Mehmet está tão velho e fraco que não consegue montar sozinho um cavalo. Rashid resolve levar o seu irmão na garupa do seu cavalo tártaro.

Com as moedas que se multiplicavam no porta-jóias, os dois não tiveram nenhuma dificuldade para alcançar a capital Istambul. Chegando à capital, foram os dois informados que necessitariam de uma permissão especial para cruzar a fronteira ocidental com a Valáquia.

Marcaram uma audiência com o Sultão, para que lhe fosse explicado o motivo da viagem.

- Senhor Sultão, o motivo da nossa viagem para as terras da Transilvânia é de estabelecer relações comerciais com esta terra – disse Rashid.

- Não entendo. É uma terra perigosa, e os valáquios são famosos por empalarem otomanos. Vocês querem ser empalados vivos?

- Majestade, traremos benefícios nunca vistos na corte de Istambul.

- Parece que vocês possuem segundas intenções. Expliquem-me já realmente o que deseja fazer na Valáquia, ou mandarei empalá-los aqui mesmo. O que um velho e um rapaz de Samarcanda querem haver com a Valáquia? Não entendem que é uma fronteira em pé de guerra?

Rashid tenta em vão inventar razões para entrar na Valáquia. O Sultão se torna cada vez mais irritado com as mentiras de Rashid.

- Guardas, levem os dois para o calabouço!

- Espere, eu direi a verdade! – exclama desesperadamente Rashid.

*****

Ao demonstrar que realmente o porta-jóias era capaz de triplicar as moedas, o Sultão finalmente passa a acreditar na história dos dois irmãos.

- Então vocês são irmãos!?! – observa estarrecido o Sultão. Eu pensei que o velho era o seu avô!

- Sim, senhor. Não sabíamos como lhe contar a nossa história, sem cair em descrédito.

- Acredito sim! Mas não penso que vocês irão seguir para a Transilvânia!! – retruca o Sultão.

- Mas o meu irão irá falecer! – exclama Rashid.

- Sim, mas por uma boa causa. Irá triplicar as reservas do Império Otomano. Seu irmão fica conosco triplicando as reservas, enquanto você, pela sua impertinência, vai passar o resto dos dias no calabouço! Guardas, levem-no!

- Espere, não faça isso, a Istambul será saqueada pela maldição do porta-jóias!! – tenta desesperadamente Rashid mudar a opinião do Sultão.

*****

Rashid é jogado ao calabouço, após sofrer torturas e agressões. Todo ensangüentado, Rashid tenta encontrar uma posição confortável no chão do calabouço, de modo que os ferimentos causados pela surra levada não o incomodassem.

- O que vou fazer agora!? Meu irmão irá morrer e a cidade será saqueada pela maldição! Tudo isto pela cobiça dos homens! – Grita sozinho Rashid, como se estivesse com a esperança que um ouvido sensato, escutasse as suas lamentações.

*****

Três meses mais tarde, com Istambul três vezes mais rica, a prosperidade da cidade atrai saqueadores e a capital se encontra em estado de sítio.

Rashid tinha sido esquecido pelo Sultão no calabouço. A porta do calabouço se abre, deixando passar um feixe de luz. Rashid tenta ver as silhuetas na porta, mas não consegue, pois a sua visão estava prejudicada por três meses de escuridão total no calabouço.

- Venha rapaz! Você estava certo. A maldição realmente existe. Istambul está sendo saqueada. Os inimigos estão cercando o palácio. Quero que você leve o seu irmão para a Transilvânia. – Diz o Sultão todo alvoroçado.

*****

Rashid leva o seu irmão Mehmet até a tumba da Senhora dos Rios e coloca o maldito porta-jóias sobre a lápide. Num passe de mágica, Mehmet recobre a sua juventude e ambos os irmãos se abraçam em lágrimas.

- Nunca mais Rashid, nunca mais.

- Foi muito cara a lição Mehmet. Muito cara.

*****

Anos mais tarde, três ladrões de covas entram furtivamente no mausoléu da Senhora dos Rios, e encontram o porta-jóias sobre a lápide. O líder do bando pega o porta-jóias, e coloca-o em sua bolsa.

- Creio que achei o famoso porta-jóias da Senhora dos Rios!

Recomeça assim a maldição por entre outras mãos incautas, mas até aí, é uma outra história.

Contos - Transplante de Memória (Completo)

TRANSPLANTE DE MEMÓRIA

Mary Higgins foi admitida no Baylor University Medical Center em Dallas, às 23:40. O coração para transplante chegara ao hospital de helicóptero de um subúrbio de Dallas, quinze minutos antes da chegada de Mary. Era uma quarta-feira tempestuosa, e os médicos do Baylor University Medical Center efetuaram o transplante sob a eminência de um corte de luz. Na fase final do transplante, tiveram que operar apenas com os geradores de emergência.

A paciente se recupera de uma forma extraordinária e recebe alta em duas semanas. Apesar da rejeição ao novo órgão ter sido mínima, Mary se incomoda com o fato de estar vivendo com um coração alheio. Ela se sente que está tomando a vida de alguém que poderia estar vivo hoje no lugar dela. Passa muito tempo a choramingar a dor da pessoa sacrificada para dar a preciosa vida à Mary.

Feito os exames de rotina, os médicos do centro dizem a Mary que o transplante foi um grande êxito e que não poderia haver um prognóstico melhor. Ela confidencia aos médicos sobre a sua dor na consciência de carregar no peito um órgão de uma outra pessoa. Os médicos recomendam-lhe acompanhamento psicológico especializado em transplantes.

Passa o mês inteiro em tratamento com o Dr. Rudolph Grass e percebe que o doador do órgão não tinha como escapar da morte. Sente que seria de sua responsabilidade seguir a sua vida de forma digna, em honra ao doador do órgão. O austero Dr. Rudolph sabe da identidade do doador, mas revela somente detalhes significantes a Mary.

No mês seguinte, com o emocional estabilizado, ela retoma as atividades de ensino no centro educacional de Dallas. Hoje é o primeiro dia de aula após a cirurgia para Mary. Ela acorda com uma leve dor no peito e uma certa indisposição. Diz a si mesma estar em pazes com o assunto do transplante em frente ao espelho do banheiro. Faz a sua toalete e arruma os seus cabelos. Sente-se melhor.

Mira-se atentamente ao espelho e tem a estranha vontade de cortar os seus longos cabelos de que tanto tem orgulho. Na hora de se vestir, sente que gostaria de retomar as aulas com uma roupa mais masculina, evitando saias. Abre o armário e escolhe um jeans e uma camisa azul escura. Resolve não usar os brincos e nem o colar. Sente que quer estar o mais simples possível.

Chega à garagem e acha que há algo de errado com o seu conversível vermelho. Acha que deveria andar com o automóvel num tom azul, verde ou mesmo prateado. Estranha-se a si mesma por estar reconsiderando o seu modo de vestir e o gosto das cores.

Tira o carro da garagem e segue ao centro educacional. Liga o rádio, e sente a vontade de escutar algo com toque latino. Sintoniza numa estação latina. O ritmo com mescla de hip-hop e reggaetón em estilo latino toma conta do carro e Mary sente vontade de dançar. No cruzamento de Ross Avenue com Pearl Street, ela leva uma fechada de um automóvel. Mary abre a janela e grita em plenos pulmões:

- A la mierda coño!

Ela fica estarrecida com o que acabara de dizer. Mary sempre recatada, era uma pessoa que evitava o uso de palavras vulgares. Sempre calma e controlada, de repente se via perdendo os nervos de forma indecorosa e blasfemando em espanhol. Em espanhol? Ela mal sabia falar “Muchas gracias señor” e o que dissera ao outro motorista fora uma frase muito mais complexa.

Chegando ao centro educacional, abruptamente abre a porta da sala de aula e joga os livros sobre a mesa. Algo está errado, sente Mary. Sempre fora uma pessoa delicada e de gestos e maneiras suaves.

Para o seu espanto, ao chamar a atenção de um aluno durante a aula, utiliza a palavra “coño”. Mary não entende porque está tão vulgar assim, e ainda mais em espanhol.

Pela tarde, não se sentindo à vontade pela agressividade de sua personalidade, resolve pedir licença à diretora e retorna a casa. Enquanto dirige, ela passa a ter uma vontade incrível de comprar cerveja, pipoca e amendoim. Passa numa loja de conveniências e como num impulso, compra as cervejas e mais outros salgadinhos para acompanhar. Na saída, no caixa, acaba por pedir sem querer um maço de cigarros. Tenta cancelar a compra do cigarro, mas já era tarde, pois o caixa já tinha registrado a compra.

Meio contrariada pelas compras que fizera de forma impulsiva, primeiro pessoalmente por não tomar bebidas alcoólicas e nem fumar, e segundo pela proibição dos médicos quanto ao fumo e ao álcool. Sem nada entender, dirige para casa ponderando sobre o seu comportamento nas últimas horas.

A sua primeira reação ao chegar a casa, é de jogar fora as bebidas e o cigarro, mas não consegue. Ela resolve se descontrair sentando se frente à TV, passando de canal em canal com o controle remoto. Ao passar pelos canais, se interessa pelo jogo de Dallas Cowboys. Acha estranha a si mesma, pois nunca se interessara pelo esporte.

Passam-se os minutos e Mary se encontra fumando, bebendo cerveja, petiscando os salgadinhos e se comportando como uma verdadeira torcedora de Dallas Cowboys. Quando percebe o que está fazendo, Mary imediatamente apaga o cigarro e derrama a cerveja na pia.

Ela fica desorientada, confusa, pois fizera coisas que os médicos a tinham proibido. Liga aos prantos para o Dr. Rudolph, explicando o seu comportamento durante o dia inteiro.

- Controle-se senhorita Higgins. Hoje foi o seu primeiro dia de aula, e certamente este fato mexeu com as suas emoções. Eu tenho hora disponível agora à tarde. Porque não passa por aqui e me conta em detalhes o seu dia?

*****

- Sabe o que há de pior em tudo isto doutor? Eu sinto vida, alegria quando fumo, tomo cerveja e falo obscenidades em espanhol. Passei a tarde toda falando asneiras nesta língua, enquanto assistia a uma partida do Dallas Cowboys, como uma verdadeira aficionada! E eu não parava de me preocupar por uma criança. Parecia que se chamava Desirée.

- A senhorita disse falando asneiras em espanhol? E preocupada com uma criança? - Indaga Dr. Rudolph num tom sério.

- Sim. E eu que tenho dificuldade de pronunciar “no comprendo. A criança não sei, eu sentia saudades por ela, e eu nem a conheço.

- E notou que o dia inteiro assumira um comportamento masculino.

- Sim doutor.

- É muito estranho. Ajudaria lhe informar, apesar de não ser aconselhado pela junta médica do estado de Texas, que o doador do órgão era um rapaz de origem latina de 21 anos que perdera a sua vida num acidente de automóvel?

Mary sente uma confusão em sua mente e permanece em frente ao Dr. Rudolph sem dizer nenhuma palavra por alguns minutos.

- Senhorita Higgins. Senhorita Higgins, está bem?

- Sim, bem, não... Não sei doutor. Estou mais que confusa. Já tinha o problema de achar que estava tomando a vida de uma outra pessoa. E agora, esta coisa de começar a me comportar como um jovem hispânico... Já é demais para o meu coração, que aliás nem é meu.

Mal balbuciando as últimas palavras, Mary desfalece no consultório de Dr. Rudolph. Seus sinais vitais são medidos e ela é levada ao ambulatório.

*****

- Dr. Rudolph?!? O que houve?

- Você desmaiou, pois era emoção em excesso para o seu frágil estado. Mas o corpo está bem, nada a temer. Foi mais uma coisa emocional.

- O que está acontecendo comigo doutor?

- Ficará uns dias em repouso e em observação. Acho que a senhorita ainda não está pronta para voltar ao trabalho. Está sofrendo de estresse mental.

Dr. Rudolph evita tocar nas palavras alucinação ou esquizofrenia por ética médica. Para ele, Mary estaria inventando comportamentos. Mas uma dúvida pairava no ar para o Dr. Rudolph. Por que Dallas Cowboys? Como ela adivinhara que o doador era de origem hispânica? Porque sentiria saudades por uma criança que nem conhece? Receita neurolépticos para a paciente e leva a sua ficha para casa. Em sua residência, resolve ligar para a casa dos pais do doador de coração. Passa alguns minutos falando sobre o transplante e evita compartilhar informações, sobre o estado das últimas horas de Mary Higgins. Leva a conversa a cabo, dizendo ser uma chamada rotineira e como se não tivesse nenhum interesse faz a seguinte pergunta:

- E Armando, que time ele torcia?

- Ele era fanático pelo Dallas Cowboys.

- Que bom, estão quase conquistando o campeonato este ano. Será em memória de Armando. Ah, mais uma coisa, conhece alguma criança chamada Desirée?

- Não Dr. Grass não conheço, é algo importante?

- Não, não. Até logo senhora Martínez.

*****

Enquanto isto no hospital, Mary remexe-se para achar uma posição confortável na dura cama. São às três da manhã e Mary sente vontade de urinar. Com os pés descalços, alcança o corredor e procura por um banheiro. Novamente ela se sente desconfortável quando pensa que deveria estar urinando em pé. Retorna cambaleando para o seu quarto. Sente frio nos pés.

Deita-se na cama e se enrola no cobertor em posição fetal de modo a esquentar os seus pés. Resolve esquecer a razão de sua internação e tenta atingir um sono confortador que a alienasse de suas preocupações recentes.

Começa a sonhar com uma festa. Para o pânico de Mary, é uma festa latina. Tem em sua frente uma Piña Colada. Ela resolve bebericar brincando com os canudos. Um jovem rapaz no fundo do salão lhe chama a atenção. Mary se levanta da mesa e vai procurar o rapaz. Ao se aproximar do jovem rapaz, o mesmo diz com um sorriso no rosto:

- Soy yo quien está en su corazón.

Mary acorda abruptamente. Sabe que tudo isto não passa de um sonho. Mexe-se na cama, liga o televisor do quarto. Passa por alguns canais, e cai no sono enquanto assiste o noticiário. Mas retoma o sonho, encontrando o mesmo rapaz que reclama a Mary:

- Tenemos que compartillar un mismo cuerpo, yo tenía tantas cosas para hacer en la vida. Dáme este gustito?

- Que gostinho? - Pergunta Mary curiosa.

- Hacer cosas que necesitaba hacer en vida.

- Mas quem é você?

- Yo te dije. Soy yo quien está en su corazón!

- Você é o dono do coração!

- Sí, y necesito de tu ayuda!

- Diga, o que eu posso fazer por você?

- Yo tengo una hija. Tuve en un relacionamiento no aprobado por mis padres. La chica se quedó embarazada y no me avisó. Tuvo la hija sóla. Por tragédia, la chica se murió. Como yo no había reconocido mí hija, la llevaram a un huerfanato.

- E o que posso fazer neste caso?

- Mí hija se llama Desirée. Yo quiero que ella salga do huerfanato y vaya vivír con mís padres.

*****

- Boa tarde. Meu nome é Mary Higgins e necessito de uma informação.

- Sim senhorita?

- Por acaso, se encontra neste orfanato, uma menina chamada Desirée, filha de Armando Martinez?

- Sim, Desirée é uma das crianças mais queridas do orfanato.

- Pois Armando faleceu e o seu último desejo, era de que a Desirée morasse com os seus avós.

- Está esta vontade dele em algum testamento?

- Não, foi morte repentina, e não havia nenhum testamento.

- A senhorita é da família?

- Sim e não. É complicado, mas devo dizer que esta é a vontade de Armando.

*****

- Senhorita Higgins, quer dizer que tem tido comunicação com o falecido Armando, que deseja que a filha esteja na casa dos avós.

- Exatamente.

- Olha. Se não fosse pela exatidão das informações que você possui, sobre os gostos de Armando, o time que ele torcia, e sabemos que ele realmente tem uma filha chamada Desirée...

- Sim, doutor...

- A ciência não pode explicar como você obteve todas estas informações, sem ter se comunicado com a família.

- Eu também estou estarrecida doutor...

- Falei com a família Martinez, e eles estão providenciando a transferência da Desirée para a casa deles.

- Uma maravilha.

- Apesar de curioso e digamos de uma certa forma, maravilhoso o caso, não acho que a senhorita deva dar muito caso para as comunicações que diz ter tido com o falecido dono do coração.

- Mas eu não posso evitar.

- Sim, mas evite concretizar, tomar ações baseadas na conversa que tenha com o Armando. Não sabemos exatamente com o que estamos lidando.

- Sim senhor.

- Compreenda senhorita Higgins, é para o seu bem.

*****

Passados cinco anos, Mary e Desirée estão no estádio assistindo a uma partida de Dallas Cowboy.

- Vamos ser campeões, Mary!!

- Isso mesmo Desirée!!

- Papai está contente?

- Ele está me dizendo que está muito contente!!

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